Ymborés - Botocudos

ARTIGO

Povo guerreiro e nômade, chamado de "Botocudo" pelos portugueses devido ao uso de botoques e conhecido por sua intensa resistência à colonização.

A denominação original para o grupo indígena chamado Ymboré era Aymoré — alguns documentos mencionam também Amburé. Com o tempo, o termo foi se corrompendo até chegar à forma Ymboré. Já a designação Botocudo foi atribuída pelos portugueses aos Ymborés, devido ao uso de botoques (discos de madeira) nas orelhas e lábios. Esses indígenas descendem do tronco linguístico Macro-Jê.

Os Ymborés viviam numa extensa faixa de terra entre Minas Gerais, Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo. Uma de suas características marcantes era o fracionamento em inúmeros subgrupos, o que levava à dispersão em vastas áreas, dando a impressão de serem mais numerosos do que realmente eram.

Os portugueses acreditavam que os Ymborés eram canibais, mas não há qualquer comprovação dessa crença. Segundo o príncipe Maximiliano Wied-Neuwied, eles se autodenominavam engerackmung — termo cujo significado, infelizmente, não se conhece. É dele também a descrição de sua forma física:

“A cor dos botocudos é um bruno avermelhado, ora mais claro, ora mais escuro; há entre eles indivíduos quase perfeitamente brancos, até de faces coradas (...). Os cabelos são fortes, pretos como carvão, duros e lisos; os pelos do corpo, finos e igualmente rijos; na variedade esbranquiçada, os cabelos são bruno-enegrecidos. Muitos raspam as sobrancelhas e a barba, enquanto outros as deixam crescer ou apenas aparadas; as mulheres não toleram nenhum pelo no corpo. Os dentes são-lhes bem conformados e alvos (...).”

O ornamento feito de madeira extraída da barriguda, cortado no tamanho desejado, era desidratado no fogo, tornando-se leve e branco. Em seguida, era pintado com urucum e jenipapo.

Considerados bravios e muito temidos pelos colonizadores e por outras tribos indígenas, os Ymborés lutaram e resistiram até o seu extermínio, na tentativa de manter seu território. Foram um dos últimos grupos da região a serem subjugados. Ainda por muito tempo, a relação entre eles e os colonizadores foi marcada por desconfianças mútuas e incidentes frequentes.

Meios de Sobrevivência

Como a maioria dos demais grupos indígenas, os Ymborés viviam da caça, pesca e coleta de frutos e raízes. Relatos de viajantes indicam que a agricultura só passou a ser praticada após o contato com os brancos. Contudo, essa visão pode não corresponder à realidade, pois é possível que praticassem agricultura em pequena escala, a qual teria sido reduzida durante a luta pela preservação de seu território. De qualquer modo, não há confirmação conclusiva. O certo é que, quando os viajantes — especialmente o príncipe Maximiliano Wied-Neuwied e Spix e Martius — entraram em contato com os Ymborés, eles já cultivavam mandioca, batata-doce, banana, arroz e cana-de-açúcar.

Esses viajantes relatam ainda que os Ymborés frequentemente abandonavam suas roças para refugiar-se nas matas, retornando às atividades de caça e pesca. Só voltavam à agricultura em casos de necessidade extrema, quando trocavam seu trabalho por alimentos. A dificuldade em se integrar à atividade agrícola se devia ao seu modo de vida nômade, o qual foi gradualmente modificado com o avanço do processo colonizador, que reduziu seu território e, consequentemente, as possibilidades de caça e coleta.

O poder de deslocamento dos Ymborés era notável, facilitado pela habilidade em se alimentar do que encontravam no caminho e por não dependerem de rios ou córregos, pois sabiam extrair água de taquaras e bromélias. À noite, acendiam fogueiras para se aquecer e afastar animais selvagens.

A definição do território de caça e coleta cabia ao chefe do grupo. Essa limitação era essencial para evitar invasões e conflitos com outros grupos.

Divisão do Trabalho

Entre os Ymborés, o trabalho era dividido de acordo com o sexo. Contudo, não há consenso entre os cronistas quanto às atividades de cada grupo. Alguns afirmam que os homens preparavam a terra e cuidavam das plantações, enquanto as mulheres se encarregavam da colheita. Outros relatam que toda a atividade agrícola era desempenhada pelas mulheres. De toda forma, permanecia a divisão sexual do trabalho.

A cozinha era uma atribuição feminina. Após esfolarem os animais e retirarem suas vísceras, chamuscavam-nos e os comiam meio crus. As vísceras também eram consumidas. O sal marinho, introduzido com o contato com os brancos, causou graves problemas gástricos, chegando a levar indígenas à morte.

Os utensílios de cozinha incluíam panelas de argila e longos talos de bambu. Alguns alimentos eram postos para secar; os que não fossem consumidos imediatamente eram armazenados sobre as casas para uso posterior.

A coleta, também responsabilidade das mulheres, era mais intensa no período da seca, quando os Ymborés deixavam as aldeias localizadas às margens dos rios. Nessa época de fartura, recolhiam coco, palmito, ingá, feijão-do-mato (uaab), maracujá, jabuticaba, jenipapo, abacaxi etc. A coleta incluía ainda larvas encontradas em árvores e insetos como a tanajura, consumidos depois de assados. A cera e o mel das abelhas eram coletados — o mel, em especial, era muito apreciado quando misturado à água em potes de bambu.

Demonstravam grande habilidade para encontrar ovos de aves que botavam no solo.

A caça era tarefa exclusiva dos homens e uma das atividades mais importantes para os Ymborés. Era realizada coletivamente e, quando farta, os alimentos eram partilhados entre todos os membros da comunidade. Eram extraordinários caçadores, hábeis no uso do arco e da flecha. Desde a infância, as crianças eram treinadas, aguçando a visão e aprendendo a imitar os sons dos animais para atraí-los. Animais maiores eram abatidos com flechas simultâneas, provocando sua exaustão pela perda de sangue. Os preferidos eram antas e macacos.

Após o contato com os brancos, os cães passaram a ser utilizados nas caçadas.

Outra atividade masculina era a pesca, feita com flechas e, por vezes, com timbó. O uso de anzóis só se deu após o contato com os colonizadores. Muitos indígenas passaram a trabalhar em quartéis, fazendas e destacamentos em troca desses objetos.

Utensílios, Indumentária e Artefatos

Os Ymborés fabricavam os próprios instrumentos de caça, pesca e cozinha, como arcos, flechas, tacapes, bordunas, machados de pedra, cestos, talheres, colheres de taquara e panelas de argila. A maioria era produzida pelos homens. As casas, quando havia tempo para construí-las, eram simples, erguidas com troncos de árvores e cobertas com folhas de palmeira ou palha. Em geral, possuíam formato oval e nenhuma divisória interna. Em cada aldeia, havia um chefe respeitado por todos.

O fogo era produzido por meio do atrito entre pedaços de madeira.

A indumentária, antes do contato com os brancos, era quase inexistente: usavam, no máximo, tangas e cordões para cobrir os órgãos genitais. A nudez era encarada com naturalidade. Os adornos, contudo, eram amplamente utilizados, em especial os botoques, que davam origem à denominação “botocudo” atribuída ao grupo. Havia botoques de vários tamanhos: os menores, usados por crianças e adolescentes; os médios, por adultos jovens; os maiores, por homens mais velhos. A perfuração era feita na infância e os botoques eram gradativamente substituídos por modelos maiores. Quando necessário, faziam alargamento com água morna ou urina.

Os botoques, fabricados com madeira de barriguda e pintados com urucum e jenipapo, eram considerados símbolo de beleza e identidade. O uso era obrigatório entre os homens, inclusive para chefes ou prisioneiros. Mulheres raramente os utilizavam. Além dos botoques, usavam colares, brincos, pulseiras e cocares.

As pinturas corporais, feitas com urucum (vermelho) e jenipapo (preto), também tinham forte valor simbólico. Utilizavam moldes de taquara para realizar desenhos no rosto, peito e pernas. Em festas, as pinturas tornavam-se mais elaboradas.

Os cabelos eram geralmente cortados na altura das orelhas, deixando a parte da frente um pouco maior. As mulheres mantinham os cabelos compridos e presos.

Costumes e Organização Social

A cultura dos Ymborés era marcada por simplicidade e respeito à coletividade. A divisão de tarefas e a partilha de alimentos garantiam o sustento do grupo. O casamento era monogâmico, e o homem deveria provar sua capacidade de sustentar a esposa. O chefe da aldeia, geralmente o guerreiro mais experiente, era escolhido por consenso e liderava com autoridade moral.

A cerimônia de casamento envolvia trocas de alimentos e festas, com danças e pinturas corporais. O casal passava a viver com a família do homem, mas o laço com os familiares da mulher também era preservado.

A morte era entendida como parte do ciclo da vida. O corpo do falecido era enterrado com seus objetos pessoais. Às vezes, realizava-se o ritual da cremação. A comunidade passava dias de luto, sem danças ou festas.

Relação com os Brancos e os Conflitos

Os Ymborés resistiram intensamente à colonização. Considerados hostis, eram alvo constante de expedições de extermínio. Defendiam ferozmente suas terras e reagiam a qualquer tentativa de invasão. A convivência com os brancos foi marcada por conflitos e massacres. Mesmo após serem parcialmente pacificados por meio de estratégias como a “Catequese da Paz”, promovida por alguns missionários e autoridades, continuaram sendo perseguidos e dizimados.

Alguns chegaram a trabalhar em fazendas ou em missões religiosas, mas a resistência cultural e o apego ao modo de vida tradicional dificultavam sua assimilação pelos padrões europeus.

O processo de extermínio foi violento e sistemático. Expulsos de suas terras, mortos por doenças trazidas pelos colonizadores ou assassinados por expedições militares, os Ymborés desapareceram como grupo autônomo e organizado. Alguns descendentes podem ter sobrevivido dispersos, integrando-se a outras etnias ou comunidades rurais.

Cerimônias e Ciclo Vital

Entre os Ymborés, não havia cerimônias formais para o casamento. A união dependia da vontade dos noivos e do consentimento dos pais, respeitado o tempo de maturação da jovem, geralmente a puberdade. Casamentos fora do grupo exigiam trocas de presentes e autorização familiar. A poligamia era permitida apenas aos chefes ou àqueles que tinham condições de sustentar mais de uma esposa. O incesto era proibido.

Quando uma mulher era abandonada ou o marido partia por longos períodos, ela podia fugir com outro homem. Se fosse capturada, poderia ser violentamente punida pelo esposo, com queimaduras, facadas ou mutilações. O príncipe Maximiliano narra o caso de um chefe que mutilou a esposa por ciúmes, cortando os contornos dos lábios e orelhas.

Além das guerras reais, havia combates ritualizados, em que dois grupos marcavam dia e local para duelos com bastões. Os guerreiros provocavam-se com cantos, e cada lutador tinha sua vez de bater e apanhar, sem demonstrar dor. Era uma prova de bravura. Mulheres também participavam, com disputas entre si usando mordidas, puxões de cabelo e até retirada dos botoques. Os motivos variavam entre ciúmes, vingança ou conflitos internos.

As mulheres pariam sozinhas, no mato. Após o parto, lavavam-se e retomavam suas atividades normalmente. Não havia prescrições alimentares específicas. As crianças eram tratadas com afeto, mas preparadas desde cedo para a autonomia. Os nomes dados frequentemente remetiam a características físicas, animais ou objetos, como Ketom-Cudgi (“olho pequeno”) e Cuplick (“macaco berrador”).

Sobre a morte, havia diferentes rituais. Em alguns grupos, os mortos eram enterrados sentados, com plumas e peles enfeitando o túmulo; em outros, deitados em covas nas malocas, com ou sem objetos pessoais. As sepulturas dos chefes eram sinalizadas com folhas de palmeiras, enquanto as dos demais com bastões curtos dispostos lado a lado. Em algumas regiões, as mulheres cortavam os cabelos como sinal de luto.

Crenças e Cosmovisão

Para os Ymborés, as doenças eram causadas por bruxarias, forças sobrenaturais ou perda da alma durante o sono. A cura envolvia o uso de plantas medicinais, em forma de infusões, cataplasmas ou banhos. Usavam também sangrias com pequenos arcos, bambus ou pedras quentes para vaporizações.

Acreditavam que o ser humano possuía várias almas, adquiridas a partir dos quatro anos. A alma principal podia se desprender durante os sonhos e, se se perdesse, a pessoa adoecia. Após a morte, ela retornava ao corpo, permitindo que o indivíduo morresse em paz. As demais almas acompanhavam o morto e eram acolhidas por espíritos protetores.

Um espírito central em sua cosmologia era o Marét, entidade andrógina e imortal, dotada de grande poder. Ele escolhia protegidos entre os humanos e podia atender a pedidos feitos pelos xamãs. O Marét podia transformar-se em animal, castigar, curar ou ensinar. O xamã, para obter seus dons, passava por uma provação em que era transformado em bola e lançado em jogo com o Marét. Se resistisse, adquiria o poder necessário para atuar como mediador entre os humanos e o espírito.

A cerimônia de invocação do Marét era realizada em torno de um pilar sagrado, com cantos entoados pelo xamã. Apenas os protegidos do Marét podiam vê-lo. Dentre os Marét, havia uma hierarquia, com o mais velho chamado Marét-Khmakniam ou Yekán Kren-Yirugn ("Pai Cabeça Branca"), descrito como um ser gigante, de barba ruiva e grande potência sexual.

Havia também espíritos errantes, temidos por todos. Dormiam junto às fogueiras dos túmulos, e, se o fogo apagasse, desenterravam cadáveres e agrediam crianças e cães. Os mais importantes eram chamados Janchon Gipakeiú, e os inferiores, Janchon Kudji.

A lua era central na cosmovisão Ymboré. Ela regulava os fenômenos naturais, como o trovão (tarudecuvong), o raio (tarutemareng) e o próprio sol (tarudipó). O arco-íris era visto como sombra do sol. Eclipses eram explicados como brigas da lua com o sol.

Segundo as narrativas míticas, os rios nasceram quando um amigo do beija-flor espalhou as águas que o pássaro havia armazenado. O fogo, inicialmente pertencente ao urubu, foi roubado pelo mutum com a ajuda da garça.

Atividades Lúdicas

As brincadeiras eram importantes para a socialização e faziam parte da rotina. Após caçadas bem-sucedidas ou batalhas vencidas, celebravam com danças circulares em que os participantes se apoiavam mutuamente pelos ombros, batendo os pés no chão. Algumas danças imitavam caçadas. Os instrumentos usados incluíam flautas de taquaraçu, apitos feitos de cauda de tatu e canções narrativas com refrões repetidos.

As mulheres cantavam em tom mais baixo e tocavam os instrumentos. As músicas funcionavam como registro da memória oral, narrando acontecimentos da comunidade.

Entre os jovens, as competições com arco e flecha eram comuns. Os mais velhos brincavam com uma bola feita de couro de preguiça recheado de musgo, que passavam de mão em mão sem deixá-la cair. Também realizavam jogos na água, demonstrando sua habilidade como nadadores.

Os Ymborés, também chamados de Aymorés ou Botocudos, foram um dos povos indígenas mais temidos e combatidos pelos colonizadores portugueses. Durante o século XIX, sofreram uma campanha sistemática de extermínio, impulsionada por interesses territoriais e por uma campanha ideológica que os rotulava como “índios ferozes” ou “selvagens incorrigíveis”.

Ainda assim, resistiram bravamente, mantendo por séculos seu modo de vida nômade, suas crenças e tradições. Os poucos sobreviventes que escaparam ao genocídio migraram para áreas mais isoladas, como os vales do Jequitinhonha e do Mucuri.

Hoje, os descendentes dos Ymborés/Aimorés/Botocudos iniciam um movimento de ressurgimento étnico, com grupos se organizando para retomar suas identidades e reivindicar reconhecimento oficial, especialmente no Espírito Santo.

Fonte: Texto adaptado de Edinalva Padre Aguiar (Série Memória Conquistense n° 5: Ymboré, Pataxó, Kamakã: a presença indígena no Planalto da Conquista – Museu Regional da UESB).

MOREIRA. Jussara Tânia Silva O Povo Mongoió: da Lembrança ao Esquecimento nas Representações dos Moradores da Cidade de Itapetinga-BA. Revista Binacional Brasil Argentina. Vitória da Conquista, ConquistaV.7nº 2p. 13-38Julho/2018.

Referências:

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gray concrete wall inside building
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white and black abstract painting
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