Ymborés - Botocudos

HISTÓRIA

Povo Macro-Jê semi-nômade entre os rios Cachoeira e Pardo, que resistiu tardio à ocupação e tem legado revivido.

(O presente texto de autoria de Edinalva Padre Aguiar foi extraído da publicação Série Memória Conquistense 05 “Ymboré, Pataxó, Kamakã: a presença indígena no Planalto da Conquista” do Museu Regional da UESB, realizamos acréscimos, atualizações, citações).

A denominação original para o grupo indígena chamado Ymboré era Aymoré (alguns documentos falam também em Amburé) o termo foi se corrompendo e chegou até nós como Ymboré. Já a designação Botocudo foi dada pelos portugueses aos índios Ymborés, pelo fato de eles usarem uma espécie de botoque nas orelhas e lábios. Descendem do tronco Macro-Jê.

Os Ymborés viviam numa imensa faixa de terra entre Minas Gerais. Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo. Uma de suas características marcantes era o fato de se fracionarem em inúmeros subgrupos e se dispersarem em áreas extensas, dando a impressão de serem em maior número do que realmente eram.

Os portugueses acreditavam que os Ymborés eram canibais, mas nada há que confirme essa crença. Segundo o príncipe Maximiliano, eles se autodenominavam "engerackmung", termo que, infelizmente, não temos o significado. É dele também a descrição de sua forma física:

“A cor dos botocudos é um bruno avermelhado, ora mais claro, ora mais escuro; há entre êles indivíduos quasi perfeitamente brancos, até de faces coradas (...). Os cabelos são fortes, pretos como carvão, duros e lisos os pêlos do corpo finos e igualmente rijos; na variedade esbranquiçada os cabelos são bruno enegrecidos. Muitos raspam as sobrancelhas e a barba, enquanto outros deixam crescidos, ou apenas aparadas; as mulheres não toleram nenhum pêlo no corpo. Os dentes são-lhes bem Ornamento feito de madeira extraída da barriguda, que após ser cortado no tamanho desejado era desidratado no fogo. Que fazia com que ficasse leve e branco. Depois ele era pintado com urucum e jenipapo. 15 0 conformados e alvos (...) “

Considerados bravios e muito temidos pelos colonizadores e outras tribos indígenas, os Ymborés lutaram e resistiram até o seu extermínio, pela manutenção do seu território.

Os Ymborés foram um dos últimos grupos subjugados da região. ainda durante muito tempo, a relação entre eles e os colonizadores foram carregadas de desconfianças mútuas e incidentes.

MEIOS DE SOBREVIVÊNCIA

Como a maioria dos demais indígenas, viviam da caça, pesca e coleta de frutos e raízes. Os relatos de viajantes demonstram que agricultura só passou a ser praticada após o contato com o homem branco porém, essa visão pode não ser verdadeira, pois há a possibilidade de eles terem praticado agricultura em pequena escala, que teria diminuído durante o processo de luta pela manutenção do território. De qualquer forma, não há confirmação para nenhuma das possibilidades. O certo é que, quando os viajantes, em especial o Príncipe Maximiliano Wied-Neuwied e também Spix Martius, travaram contato com os Ymborés, eles já praticavam agricultura. Cultivavam mandioca, batata-doce, banana, arroz e cana-de açúcar. Os viajantes contam, ainda, que, constantemente, esse grupo abandonava suas roças e se refugiava nas matas, voltando às atividades anteriores de caça e pesca, e só retornava quando havia uma necessidade premente, o que o levava a trocar o seu trabalho por alimentos. Era difícil para os Ymborés se integrarem à atividade agrícola, pois ela não combinava com o seu modo de vida nômade, que foi totalmente transformado à medida que o processo colonizador se intensificou, diminuindo seu território e a possibilidade de caça e coleta.

O poder de deslocamento dos Ymborés era incrível; isso era facilitado pelo fato de se alimentarem do que encontravam e de não necessitarem de córregos ou rios, já que sabiam retirar água de taquaras e bromélias. A fogueira, feita à noite, servia para aquecer contra o frio e espantar animais de maior porte.

A definição do território de caça e coleta ficava a cargo do chefe do grupo. Essa limitação era necessária para evitar invasões e posteriores conflitos com outros grupos.

DIVISÃO DO TRABALHO

Entre os Ymborés, o trabalho era dividido de acordo com o sexo, porém não há certeza quanto ao que cada um fazia, pois, enquanto alguns cronistas dizem que os homens preparavam a terra e cuidavam da plantação, e as mulheres se ocupavam da colheita, outros afirmam que toda a atividade do plantio ficava a cargo das mulheres. De qualquer forma, permanecia a divisão do trabalho de acordo com o sexo.

A cozinha era atribuição feminina. Depois de esfolados os animais e de terem sido retiradas suas vísceras, eles eram chamuscados e comidos meio crus. Após sua limpeza, as suas vísceras também eram consumidas. O sal marinho foi introduzido através do contato com o branco e trouxe sérios problemas gástricos, levando inclusive alguns indígenas à morte. Os utensílios de cozinha eram panelas de argila e longos talos de bambu. Alguns alimentos eram postos para secar e os que não fossem consumidos imediatamente eram colocados sobre as casas para posterior utilização.

Também a coleta era tarefa das mulheres e se realizava de maneira mais intensa no período da seca, quando os índios abandonavam suas aldeias, localizadas nas margens dos rios. Era época de fartura, quando se recolhiam coco, palmito, ingá, feijão do mato (uaab), maracujá, jabuticaba, jenipapo, abacaxi etc. A coleta não se restringia a frutos, recolhiam-se, também, lavras encontradas dentro de árvores e insetos, como a tanajura, que seriam depois consumidos assados. A cera e o mel das abelhas eram também coletados, sendo este último bastante apreciado como bebida após ser misturado com água em potes de bambu. Tinham grande habilidade em encontrar ovos de aves postos no chão.

A caça era tarefa exclusiva dos homens e representava uma das mais importantes atividades para os Ymborés. Era realizada de maneira coletiva e, quando farta, o seu consumo também se dava com a participação de todos os membros da comunidade. Os Ymborés eram considerados extraordinários caçadores e muito habilidosos no manejo do arco e da flecha. Desde cedo, as crianças eram treinadas nessa atividade, acurando a visão e aprendendo a imitar de maneira perfeita os sons e ruídos dos animais, o que funcionava para atrair a caça. Os animais maiores eram caçados com flechamento simultâneo, fazendo, assim, com que eles se enfraquecessem pela perda de sangue. Os preferidos eram as antas e os macacos. Após o contato com o homem branco, o uso do cão foi introduzido nas caçadas.

Uma outra atividade executada pelos homens era a pesca. Para sua realização, usavam a flecha e, por vezes, o timbó. A utilização de anzóis se deu depois do contato com os colonizadores, inclusive os índios realizavam trabalhos nos quartéis, fazendas e destacamentos em troca desse objeto.

UTENSÍLIOS, INDUMENTÁRIA E ARTEFATOS

Os utensílios dos Ymborés eram bastante simples e confeccionados pelas mulheres. As panelas eram feitas de cerâmica cinzenta cozida ao fogo. Para beber e guardar água, se serviam de cabaças ou talos de bambu, chamados taquarussu, cortados à altura dos nós; quando estes rachavam, o que acontecia frequentemente, eram remendados com cera. A esse tipo de vasilhame os Ymborés chamavam quecroс.

Suas moradias eram basicamente duas: uma, destinada a estadas mais demoradas, outra, a moradias temporárias. Para o primeiro caso, eram fincadas estacas em círculos e cobertas com folhas e galhos. No caso de serem temporárias, galhos de palmeira eram enterrados no chão e amarrados em cima, formando uma arcada onde se colocavam os objetos de uso da família. Os colonizadores ocupavam cada vez mais o território indígena, o que obviamente o fazia diminuir. À medida que isso acontecia, os Ymborés iam assumindo formas de vida mais simples, inclusive no que diz respeito às suas moradias, pois passaram a se abrigar embaixo de árvores, apenas acendendo uma fogueira para cada grupo familiar.

Quanto à indumentária, os Ymborés andavam seminus. Os homens usavam um estojo peniano chamado tacanhoba feito de folhas trançadas, ou amarravam o pênis junto ao abdômen, preso a um cinto que passava pela cintura. Mais tarde, devido à imposição dos missionários, adotaram roupas de algodão, e as mulheres, tecido de chita. Não há referências o que as mulheres utilizavam para cobrir o corpo e partes intinas ou se os utilizavam.

A confecção dos botoques era responsabilidade dos homens, mesmo os que se destinavam às mulheres, cuja o tamanho menor, era realizado por eles, que detinham o conhecimento, a prerrogativa de exercerem tal atividade. A colocação dos botoques era realizada numa cerimônia. Nas orelhas, a furação acontecia em ocasião escolhida pelos pais, após a criança completar sete ou oito anos. Já os lábios eram perfurados alguns anos depois. Os botoques colocados inicialmente eram pequenos e iam aumentando de tamanho à medida que o tempo passava. A utilização do botoque ao longo dos anos trazia deformações, como o rompimento do anel muscular que sustentava o botoque nos lábios e orelhas; quando isso ocorria, eles amarravam um cipó no ponto rompido, o que permitia que pudessem voltar a usar o botoque. Outras deformações eram deslocamento dos incisivos inferiores, o afinamento do maxilar e a perda das cavidades de implantação dos dentes. Quando por algum motivo os indígenas não estavam usando o botoque, os lábios ficavam expostos e não tomavam qualquer providência; quando se tratava das orelhas, penduravam a orla inferior na parte superior.

Normalmente quando se retratam os índios, eles aparecem sempre pintados e enfeitados de penas, entretanto, isto não vale para todos os grupos indígenas, pois alguns sequer as usavam e outros apenas podiam utilizá-las em ocasiões especiais. No caso dos Ymborés, somente os homens podiam fazer-lhes uso. As penas apareciam arrumadas sob a forma de cocar e eram presas nos cordoes de embira ou algodão com cera-da-terra. Além de as fixarem na cabeça, os índios as amarravam nos braços, pernas e соxа, usavam também espalhadas pela cabeça e presas ao couro cabeludo com a mesma cera.

Outro adorno utilizado eram os colares feitos com sementes coloridas e alternadas com dentes e cascos de pequenos animais. Os colares eram chamados de pohuit, utilizados largamente por mulheres, crianças e também pelos chefes. Do mesmo material, eram feitos braceletes e tornozeleiras.

O modelo do corte de cabelo era preestabelecido e igual para todos: Raspavam aparte inferior da cabeça, a uma altura de aproximadamente três dedos da orelha, utilizando uma taquara rachada e afiada em uma das pontas. Esse mesmo tipo de navalha era utilizada para depilar todo о corpo inclusive sobrancelhas e cílios, prática comum entre homens e mulheres.

As pinturas no corpo também eram muito apreciadas. As cores eram vermelho-amarelado e negro, obtidas do urucum e do jenipapo respectivamente. Pintavam o corpo de maneira alternada e, por vezes no sentido longitudinal, colorindo um lado de negro e deixando o outro sem pintura, o que representava a noite e o dia.

As mulheres usavam ainda, como adereço, cordões de embira ou gravatá, amarrados do joelho ao tornozelo, que, além de enfeitar serviam também para afinar as pernas, pois este era o padrão de beleza entre eles.

Ao que parece, as canoas surgiram após o contato com o homem branco. O transporte de carga era realizado em grandes sacos que iam pendurados às costas das mulheres e presos por uma tira à sua testa. As mulheres eram responsáveis, ainda, pelas crianças menores presas, que, normalmente iam sentadas sobre os sacos. E os homens, não levavam nada? Sim eles levavam apenas as vasilhas com água e armas.

Os Ymborés eram exímios atiradores, e a rapidez com que disparavam suas flechas os fazia temidos até por outros grupos indígenas. O arco usado era muito grande; ao que parece, sua altura variava entre 1,50 a2,10 m, e era confeccionado com madeiras fortes e elásticas como o pau-d’arco e a palmeira. Para proteger os pulsos dos golpes das cordas, quando atiravam, os índios os enrolavam com cordões de embira ou caraguatá. A corda do arco era feita, também, com cipó torcido de caraguatá ou Imbé e as flechas, feitas de ubá ou canajuba (tipos de madeira existentes na região).Havia três tipos mais comuns de flechas, diferenciadas pelas pontas: o primeiro tipo, destinado à guerra e à caça, era feito de taquaraçu tostado, o que lhe aumentava a resistência, e cuja ponta era raspada até que se tornasse cortante e afiada. Essa ponta tinha uma forma côncava, própria do taquaraçu, o que provocava grandes hemorragias no alvo atingido. Um outro tipo de flecha tinha a ponta farpada, com dez ou doze entalhes dirigidos para trás, que também servia para a caça e a guerra, pois provocava sérios ferimentos, principalmente quando era retirada; muitas vezes, para isso, era necessário aprofundá-la mais e quebrar a sua ponta do outro lado. O terceiro tipo destinava-se à caça de pequenos animais e sua ponta tinha a forma de roda; seu efeito era o impacto causado ao bater no animal. Os Ymborés não tinham o costume de envenenar as pontas das flechas. As crianças aprendiam a arte de atirar desde a mais tenra idade e por volta dos quatorze e quinze anos, já estavam aptas a participar das caçadas. Além do arco e da flecha, eles costumavam se defender com lascas de bambu colocadas em buracos espalhados pelo chão, que provocava graves ferimentos.

As linhas para a pesca eram feitas de tucum, fibras de bromacélias. As folhas eram colocadas na água para amolecer e daí retiravam a película externa que era depois secada ao sol e tingida, com capichaba, quando desejavam a cor violeta, com jenipapo e para um tom negro e urucum para vermelho-amarelado.

Alguns dos viajantes afirmam que os Botocudos dormiam em redes, outros dizem que dormiam no chão coberto com tiras de casca de pau-de estopa. Provavelmente, as versões diferem devido ao fato de descreveremos subgrupos diferentes e que estariam em variados graus de contato com os colonizadores Além do mais quanto maior a necessidade de se locomoverem menos objetos poderiam levar.

Não fabricavam nenhum tipo de cesta. Os pedaços de taquara, para fazerem as pontas das flechas, urucum, cascos de tatu, grandes pedras para quebrar cocos etc. eram guardados nos sacos, que, como foi dito, eram transportados pelas mulheres.

Para cortar, os Ymborés usavam lascas de bambu e pedras. As lâminas para os machados eram amarradas entre dois galhos e recobertas com cera. Havia, ainda, o carutu, espécie de machado de pedra, que se aproximava de uma cunha de mão. À medida que a relação com o homem branco aumentava, esses instrumentos passavam a ser substituídos pelos de metal, que, inclusive, tinham para eles tanto valor, que chegavam até a trocar os seus filhos por esses objetos. A sua posse também conferia grande prestígio ao sou detentor, tanto que, muitas vezes, as facas eram penduradas no pescoço junto com os colares tradicionais.

ASPECTOS COTIDIANOS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Assim que acampavam, a primeira providência era acender аs fogueiras utilizando o processo de fricção de pedaços de madeira, um contra o outro, o uso de paus de estopas para espalhar o fogo das faíscas. Como ele era demorado e cansativo, várias pessoas se revezavam nessa tarefa. A madeira utilizada, para tal fim, era a embaúba ou gameleira.

Quanto à sua organização social, os Ymborés eram nômades e viviam em grupos de cinquenta a duzentas pessoas. As famílias eram grandes. Os territórios de caça e coleta eram bem demarcados e defendidos bravamente. Esse era, inclusive, um dos maiores motivos de conflitos entre os subgrupos indígenas e com os colonizadores que se estabeleciam em suas áreas.

Entre os Ymborés, a chefia não era hereditária e sim definida pela bravura, que, por sua, vez era explicada por ligações com as forças sobrenaturais. Ao chefe cabia resolver problemas internos, decidir sobre as migrações e orientar sobre as guerras. Cotidianamente, não havia diferença entre o líder e seus liderados; essa diferença costumava aparecer durante as guerras, quando as cores das penas do cocar indicavam quem era o chefe.

Diferentemente da sociedade branca atual, entre os Ymborés, os mais velhos tinham bastante prestígio, e suas opiniões eram ouvidas respeitadas, tanto que, nas reuniões dos homens, aqueles ocupavam lugar de destaque.

CERIMÔNIAS E CICLO VITAL

Não havia cerimônias especiais para os casamentos, os quais dependiam apenas da vontade dos noivos e do consentimento dos pais, respeitado o tempo para a moça atingir a puberdade. Porém, entre os jovens não havia compromissos mais sérios. Era comum também um homem criar uma criança até que ela tivesse condição de se casar. Os Casamentos se realizavam dentro do próprio grupo e quando ocorriam fora dele, tinham que ter o consentimento expresso dos pais da noiva e a troca de presentes. A poligamia era permitida somente aos chefes ou aos homens que tivessem condição de sustentar mais de uma esposa. O incesto era proibido. Durante a ausência demorada do marido, a mulher podia fugir com outro homem, porém, se fosse capturada, geralmente sofria atos de violência do marido enciumado, cujos tipos mais comuns eram queimaduras com brasas e facadas, que deixavam cicatrizes profundas, O príncipe Maximiliano nos conta que um chefe chamado Gipakeiú cortou o contorno das orelhas e lábios de sua mulher, ficando os dentes inferiores completamente å mostra.

Além das guerras havia o combate ritualizado, que ocorria em local e data previamente determinados e com grande número de espectadores. Esses rituais consistiam na provocação mútua dos guerreiros de cada lados. O chefe de cada grupo cantava um discurso, Os guerreiros posicionavam em frente aos seus opositores e começava a pancadaria com porrete. Era permitido bater em qualquer parte do corpo. Cada um tinha sua vez de bater e, quando fosse o momento de receber a pancada, não poderia esboçar qualquer reação, nem mesmo de defesa; suportar a demonstrava bravura. Algumas lutas se davam de forma ordenada , e uma outra dupla só começava a disputa quando um dos oponentes anteriores caía, outras vezes, ela se dava de forma desordenada, e várias duplas lutavam ao mesmo tempo, Não era permitido usar as mãos, arcos ou flechas. Desse ritual, as mulheres também podiam participar contra outras mulheres e entre elas, o mais comum eram as mordidas, puxões de cabelo, unhadas e a retirada dos botoques. Os motivos dessas disputas eram os mais variados: ciúmes, vinganças ou conflitos entre os membros da comunidade.

Quanto ao ciclo vital, as mulheres pariam sozinhas no mato. Terminado o trabalho de parto, se lavavam e retomavam suas atividades normalmente. Não há qualquer indicação quanto à questão alimentar pós-parto ou tarefas atribuídas a mães e pais. As crianças recebiam um tratamento carinhoso; contudo, eram preparadas, desde cedo, para se tornarem autossuficientes. Os nomes dados aos filhos eram geralmente retirados de objetos, animais e plantas como por exemplo Ketom-Cudgi, que significa "olho pequeno", ou Cuplick, que quer dizer "macaco berrador".

Não há uma opinião única para a forma como os Ymborés viam a morte, o que pode ser explicado por seus constantes deslocamentos ou pelo contato com outras culturas indígenas e, em variados graus, com a cultura cristã dos colonizadores. Numa das versões, os mortos eram enterrados numa posição em que pareciam estar sentados. A sepultura era feita no mato e coberta com galhos de palmeira que ficavam presos a quatro troncos, também de palmeira, fincados em cada canto do túmulo. do local, a sepultura ainda recebia o enfeite de plumas de aves e peles de animais.

Uma outra versão sobre os enterros é a de que eles eram realizados nas próprias malocas ou em suas proximidades, o que os levaria depois a abandonarem o local. As mãos do morto eram amarradas, e o corpo era colocado em posição horizontal, acompanhado ou não de oferendas como alimentos e pertences do defunto. Quanto à forma de marcar o túmulo, esta era diferenciada, sendo a cobertura com galhos de palmeiras, referida anteriormente, própria para os chefes ou pessoas influentes. Para marcar os demais, eles se utilizavam de bastões curtos e grossos, colocados juntinhos uns aos outros. Os moradores do rio Doce tinham como hábito, para marcar o luto, o corte de cabelo das mulheres.

CRENÇAS

O contato com o homem branco trouxe graves prejuízos para a maneira de viver dos indígenas. Esse prejuízo não se restringiu à sua cultura. Sua saúde também foi atingida, pois algumas doenças, como por exemplo, gripe, varíola etc. só apareceram depois desse contato. As doenças mais comuns eram reumatismo, doenças do aparelho respiratório, doenças venéreas, verminoses, certamente pelo costume de comer terra (geofagia),além de cegueira, provocada por espinhos, e ferimentos causados durante os deslocamentos.

Para os Ymborés, as doenças ocorriam por causa de bruxarias, pela atuação de forças sobrenaturais ou porque a alma se perdia durante o sono.

A medicação utilizada era extraída principalmente das plantas, com as quais se faziam infusões, cataplasmas, bálsamos e beberagens. Por seu Grande conhecimento das plantas, os mais velhos, normalmente, indicavam o remédio e a sua aplicação. As sangrias (cortes feitos nos locais dos ferimentos para provocar sangramento) eram muito utilizados e feitos com pequenos arcos e flechas ou talos de bambu. Havia, também, as nebulizações, em que pedras eram aquecidas e depois resfriadas com água, e o paciente, recebendo o vapor, suava e teria uma melhora no seu estado. Os banhos de rio serviam para sanar os estados febris, e a amarração de colares, junto ao local mordido por cobra, atuava contra o veneno inoculado. Contra picadas de insetos, preveniam-se usando óleos odoríferos retirados das plantas.

Para os Ymborés, o ser humano tinha várias almas, que começavam a ser adquiridas a partir dos quatro anos. Dentre essas almas, havia uma que era a principal e que se desligava para viver outras experiências, depois transmitidas através dos sonhos. Quando ela se perdia, a pessoa ficava doente, mas essa alma, a principal, voltava ao corpo antes da morte para que ela pudesse morrer dentro do corpo. As outras almas acompanhavam o cadáver e choravam por ele. Essas últimas não se separavam e, depois, eram amparadas por espíritos bondosos que as levavam para suas terras.

Mas, a morte não representava o fim, pois, dos ossos do morto, surgiam espíritos ligados ao mundo subterrâneo, que atacavam os seres humanos, preferindo, para isso, as mulheres. A defesa contra eles era surrá-los. Não acreditavam na possibilidade de eles se manifestarem sob a forma de animais para atacarem os seres vivos.

Havia um espírito, ao qual os Ymborés chamavam de Marét, que, segundo a crença, dele emanava o poder extraordinário que alguns humanos possuíam. Ele tinha os dois sexos e todas as idades. Na visão religiosa dos Ymborés, os Marét eram imunes a qualquer doença, viviam de maneira farta e ociosa e eram imortais; tinham os seus protegidos e isso se manifestava pela realização dos pedidos feitos através do xamã (líder religioso responsável pelo contato com as forças sobrenaturais). Normalmente, os pedidos diziam respeito à cura de doenças, recuperação de objetos perdidos e ressurreição de mortos. Para melhor realizar algumas tarefas. Ocasionalmente o xamã poderia transformar-se em animal, ou, como castigo, transformar outras pessoas.

Entre os Ymborés, o poder político e religioso estava intimamente ligado. Isso pode ser constatado pelo fato de todo cacique ser um xamã, embora o contrário não acontecesse, ou seja, nem sempre o xamã era cacique. Para adquirir poderes sobrenaturais que pudessem lhe garantir a posição de xama, o indivíduo tinha que passar por uma prova de resistência que se processava num longo contato com o Marét. O futuro xamã era transformado em bola e o Marét realizava um jogo demorado; se ele resistisse, os poderes desejados lhe eram concedidos e passaria a ser, então, o mediador entre os demais mortais e o Marét.

A invocação do Marét era feita em uma cerimônia onde o xamã entoava cânticos em torno de um pilar sagrado por onde o espírito descia. Era permitida a presença de vários membros da comunidade, porém só os protegidos do Marét poderiam vê-lo. Essa cerimônia servia também para que o Marét observasse o comportamento dos humanos. Concluída essa observação, retornava ao céu. Dentre os Marét havia também uma hierarquia dominada pelo mais velho chamado Marét-Khmakniam ou Yekán Kren-Yirugn que significa “Pai Cabeça Branca". Por ser o mais alto espírito na hierarquia, ele nunca baixava à Terra. A descrição feita mostra-o com cabelos brancos, barba ruiva estatura gigantesca que, muitas vezes, matava as mulheres, as quais usava sexualmente com seu enorme pênis. A crença aponta para um espirito contraditório , que tanto podia ser bondoso ao atender os pedidos sos membros da comunidade, como vingativo, mandando tempestades e matando os inimigos com flechas invisíveis. Era responsável pelas fases da lua, ensinava a confecção dos botoques e algumas canções.

Havia ainda os espíritos que vagavam pelas aldeias e os que os vissem estavam condenados à morte. Eles se deitavam junto às fogueiras dos túmulos, que deveriam estar constantemente acesas e, caso isso não ocorresse, desenterravam os cadáveres, batiam nos cães com paus até matá-los e poderiam fazê-lo também com as crianças que iam buscar água. Na hierarquia, os mais importantes eram chamados de Janchon Gipakeiú, e os menos importantes, Janchon Kudji. Os índios tinham como verdade que, ao passar pela aldeia, esses espíritos traziam a morte.

Na cosmovisão dos Ymborés a lua ocupava papel principal, já que era a responsável pela maioria dos fenômenos naturais, tanto que quase todos os nomes estão relacionados ao seu, como por exemplo, tarudipó, que quer dizer sol; tarudecuvong, que significa trovão; tarutemareng, que é igual a raio; tarutatú, que significa noite. O raio e o trovão obedeciam às ordens da lua. O sucesso ou o fracasso das colheitas também eram uma determinação sua.

O arco-íris era tido como uma sombra do sol. Os eclipses da lua eram resultado de suas discussões com o sol, o que a fazia escurecer de raiva.

Os rios e os córregos foram criados após um amigo do beija-flor ter espalhado as águas que este havia colhido para si. O fogo pertencia urubu , porém ele foi espalhado pela garça que ajudou um mutum que estavas endo perseguido pelo urubu, depois de ter-lhe roubado um tição.

ATIVIDADES LÚDICAS

As atividades lúdicas eram parte integrante do cotidiano indígena. Uma boa caçada, combates com resultados favoráveis motivavam as brincadeiras, danças e cantos.

As danças eram realizadas em círculo em que, cada um colocava os braços sobre os ombros do vizinho e o ritmo era marcado pelas batidas dos pés. Algumas danças representavam as caçadas. Além das batidas dos pés, as danças eram acompanhadas pelas flautas feitas de taquaraçu, geralmente tocadas pelas mulheres, e apitos feitos com caudas de tatu.

As músicas não estavam ligadas somente a danças, mas, também, a discursos, que eram muito parecidos com ladainhas. Ao cantar, os homens erguiam o braço esquerdo ou tapavam os ouvidos. As mulheres cantavam num tom mais baixo. Os cantos eram improvisados e contavam fatos do cotidiano ou acontecimentos importantes de suas vidas, porém todos tinham um refrão conhecido que poderia ser acompanhado pelos demais membros do grupo.

Para entretenimento, havia entre os jovens o desafio de arco e flecha. Entre os mais velhos, a brincadeira era realizada com uma bola feita com o couro da preguiça, que, depois de ter retirada a cabeça e os membros, era enchida com musgo. A bola deveria passar de mão em mão e a regra consistia em não deixar que ela caísse. Outras brincadeiras comuns eram as realizadas dentro dos rios; nelas, os índios demonstravam o quanto eram hábeis nadadores.

Os índios botocudos, também conhecidos como aimorés ou aimberês, eram assim chamados pelos colonizadores portugueses por causa dos discos de madeira (os botoques) que costumavam usar no lábio inferior e nas orelhas. No início do século 19, as tribos de botocudos viviam no vale do rio Doce, entre o Espírito Santo e a Bahia (atingindo o Planalto da Conquista (Sertão da Ressaca). Não eram tupis, mas pertencentes ao grupo linguístico macro-jê. Guerreiros, eles evitavam o contato com o colonizador branco, daí terem recebido a alcunha de “índios ferozes” ou “de vis aimorés”.

Em 1808, Dom João VI transferiu a sua Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro. No mesmo ano, além de fundar o Banco do Brasil, a Casa da Moeda e o Jardim Botânico, o monarca assinou duas cartas régias deflagrando uma guerra ofensiva contra os botocudos. A primeira carta permitia o cativeiro de indígenas por até dez anos, ou enquanto durasse a “fereza” e a “antropofagia” entre eles. A segunda afirmava a intenção de colonizar o vale do rio Doce graças à guerra, tornando os territórios conquistados terra devoluta, própria para distribuição aos novos colonos.

A campanha militar contra os botocudos se estendeu por todo o século 19. Os que conseguiram sobreviver ao massacre fugiram para os vales do Mucuri e do Jequitinhonha. Os pouquíssimos remanescentes só foram declarados oficialmente pacificados em 1912.Ao longo de um século de perseguição, que resultou no extermínio dos botocudos, a alcunha conferida a eles como sendo índios “ferozes” foi aos poucos virando sinônimo de feiúra, de seres primitivos.

Referências:

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gray concrete wall inside building
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white and black abstract painting
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