Aldeamentos Indígenas

ARTIGO

A política colonial dos aldeamentos, que removeu indígenas de suas terras para servirem como mão de obra e serem submetidos à aculturação religiosa.

O aldeamento indígena constituiu parte do projeto colonial da Coroa portuguesa, sendo mantido no Brasil após a independência, com objetivos como a ocupação territorial, a reserva de mão de obra e a aculturação dos povos indígenas. Na região do Sertão da Ressaca — situada entre os rios Pardo e das Contas, na Bahia — os aldeamentos foram estabelecidos como parte do processo de colonização e estiveram vinculados à catequização e ao controle dos povos nativos, como os Pataxós, Mongoiós e Aimorés. Esses espaços desempenharam papel estratégico na expansão do domínio colonial.

A partir da segunda metade do século XVI, os aldeamentos passaram a ser fortemente associados à ação dos jesuítas, cuja missão incluía o deslocamento forçado dos indígenas, conhecido como “descimento”, de seus territórios de origem para aldeias no litoral. Lá, eram submetidos à sedentarização por meio do trabalho agrícola e da adoção de costumes cristãos — como o uso da chamada “língua geral” e o abandono dos idiomas nativos. Outras ordens religiosas, como capuchinhos, carmelitas, franciscanos e mercedários, também praticaram essa política de dominação.

Uma vez removidos de suas terras, os indígenas eram doutrinados na fé cristã, batizados com nomes europeus e colocados à disposição da Coroa e dos colonos para prestação de serviços. O objetivo era "reduzi-los", isto é, fixá-los em novos territórios, convertendo-os em reservas de mão de obra para o trabalho compulsório.

Essa política de deportação e concentração indígena perdurou ao longo do século XIX. Os aldeamentos serviam a diversas finalidades: infraestrutura, fornecimento de alimentos, contingente militar contra “índios bravos” e mão de obra. Controlar o deslocamento dos indígenas também fazia parte da estratégia colonial de modificação de suas práticas sociais, culturais e econômicas. A criação dos aldeamentos implicou uma nova territorialidade forçada, marcada por desterritorialização, desapropriação de terras e o consequente “desenraizamento” de suas formas de vida.

Com isso, os aldeados viram-se obrigados a adaptar-se a novos hábitos alimentares, vestimentas, rotinas de trabalho e padrões cristãos. A introdução da agricultura sistemática e de técnicas mecânicas alterou sua relação com a natureza: a caça e a pesca foram abandonadas, as terras passaram a ser apropriadas pelos colonizadores, e novos produtos (como feijão, arroz, cachaça e hortaliças) passaram a compor sua dieta.

Outra mudança profunda foi a construção de unidades domiciliares individualizadas, substituindo as formas coletivas de moradia, o que enfraqueceu práticas culturais baseadas na solidariedade, na coletividade e em referenciais identitários tradicionais. O território indígena foi progressivamente invadido e substituído pelo território da pecuária, que se tornou dominante e impôs seu ritmo à organização social local.

Além disso, os aldeados eram utilizados como mão de obra compulsória em obras públicas, principalmente na conservação das estradas que ligavam vilas e aldeamentos, facilitando o comércio e a comunicação colonial. No Sertão da Ressaca, por exemplo, os aldeamentos localizavam-se ao longo do rio Pardo e serviram de base para a construção de vias durante o século XIX. As estradas tornaram-se instrumentos de territorialização da sociedade branca, permitindo a aglutinação de moradores, a expulsão ou assimilação dos indígenas e a dinamização das trocas comerciais.

Dada sua importância estratégica, os aldeamentos eram defendidos por colonos que temiam sua extinção. Um exemplo emblemático é o aldeamento da região conhecida como Cachimbo. Em 1860, diante da possível dispersão dos indígenas e da “infestação” da Estrada de Ilhéus por Botocudos e Mongoiós em situação de fome, os moradores do local imploraram ao Presidente da Província a recondução de frei Luiz de Grava, ou a nomeação de outro sacerdote, para dirigir o aldeamento. Esse episódio evidencia como os aldeamentos atuaram como instrumentos de controle espacial e social durante a colonização.

Ao longo do século XIX, os territórios de aldeamentos e vilas de índios foram progressivamente ocupados por não indígenas. A administração desses espaços passou a ser feita por diretores nomeados pelo governo provincial, o que se intensificou após a Lei de Terras de 1850. Documentos oficiais da segunda metade do século XIX frequentemente atestam o "desaparecimento" dos indígenas desses estabelecimentos. Em 1890, um decreto estadual extinguiu a Diretoria de Índios da Bahia. O estado ingressou no século XX sem reconhecer oficialmente nenhuma comunidade indígena, com exceção de pequenos grupos autônomos nas matas do sul, nas bacias dos rios Gongogi, Cachoeira, Pardo e Jequitinhonha.

Entre 1910 e 1930, grande parte desses povos foi dizimada pelas frentes de expansão da lavoura cacaueira. Os dois únicos grupos sobreviventes foram, posteriormente, forçados a se refugiar em áreas demarcadas pelo Estado. Em 1926, o governo estadual criou a Reserva Paraguaçu-Caramuru, onde foram instalados os Postos Indígenas Caramuru e Paraguaçu, destinados aos Hãhãhãe (de língua pataxó), aos Baenã (possivelmente botocudos) e a contingentes de Kamakãs. Embora demarcada entre 1936 e 1937, a reserva foi rapidamente invadida por fazendeiros de cacau e gado, dando início a mais um ciclo de expulsão violenta, que perdurou até a década de 1970.

As fontes sobre os aldeamentos de Kamakã-Mongoió, Ymborés e Pataxós são abundantes e reveladoras. Destacam-se os relatos de missionários capuchinhos, correspondências dirigidas a autoridades provinciais e súplicas como as escritas por Antônio Dias de Miranda — membro do Terço das Ordenanças e Entradas da Conquista do gentio bárbaro do Sertão da Ressaca — datadas de antes de 1825, de 1826 e de 1828.

Antônio Dias de Miranda, figura de destaque na história regional, era filho de João Gonçalves da Costa, Capitão-Mor da Conquista do Sertão da Ressaca. Participou das lutas contra Mongoiós, Ymborés e Pataxós, da conquista do rio Pardo e da guerra de independência do Brasil na Bahia. Foi assassinado na Fazenda Passagem da Conquista, no atual município de Boa Nova.

As cartas de Miranda registram a contínua expansão não indígena no Planalto da Conquista desde 1780, a partir da conquista do Sertão da Ressaca e do estabelecimento de grandes fazendas por sua família. Revelam também demandas por autonomia do Arraial da Conquista em relação à Vila de Caetité, e pedidos de utensílios para os aldeamentos, como machados, facões, chumbo e pólvora.

Foi ele quem promoveu o descimento dos indígenas da foz do rio Catolé para o Pardo, levando-os aos aldeamentos do sul. Como registra Maria Hilda Baqueiro em sua pesquisa:

“No mesmo ano, o aldeamento da Barra do Catolé foi envolvido no projeto de construção da estrada entre Ilhéus e Minas Gerais [...] A estratégia adotada foi a de fazer com que cada agrupamento construísse a parte da estrada que ligaria um aldeamento ao outro. Era uma forma de engajamento compulsório da mão de obra indígena na implantação da infraestrutura viária, [...] sob o argumento de que isso civilizaria os índios. [...] Posteriormente, essas transformações serviriam de justificativa para a eliminação dos aldeamentos e a incorporação definitiva dos índios como trabalhadores braçais assalariados, bem como de suas terras ao patrimônio público ou de particulares.”
(Baqueiro, 1982, p. 223).

Referências:

AGUIAR. Edinalva Padre. (org) Revista Memória Conquistense edição nº 5: “Ymboré, Pataxó, Kamakã: A presença indígena no Planalto da Conquista”, (2000) produzida pelo Museu Regional, a partir dos escritos de Edinalva Padre Aguiar, Antonieta Miguel e Ruy Hermann Medeiros.

ISA-INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL -

https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal

NEWIED. Maximiliano Wied “Viagem ao Brasil” do Príncipe Maximiliano Wied Newied (1815-1817)

OLIVEIRA. Renata Ferreira de (2020), “Índios Paneleiros do Planalto da Conquista: do massacre e o (quase) extermínio aos dias atuais” (2020)

OLIVEIRA. Renata Ferreira de. Batalha: Memória e Identidade Indígena no Planalto da Conquista. Monografia de finalização de curso, UESB, Vitória da Conquista, 2009.

SPIX. Von MARTIUS. Von “Através da Bahia”: Terceira edição, 1938 Companhia Editora Nacional São Paulo - Rio - Recife - Porto Alegre

SOUSA. Maria Aparecida Silva de. “A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da Bahia”, (2001)

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