
Demarcações e Lutas Atuais na Bahia
ARTIGO
Um panorama das lutas indígenas atuais na Bahia, marcadas por conflitos de terra, violência de ruralistas e a resistência pela demarcação dos territórios.
Os povos indígenas da Bahia enfrentam hoje inúmeros desafios ligados à garantia de seus direitos territoriais, à preservação cultural e à resistência frente às violências históricas e estruturais. A seguir, destacam-se as principais frentes de luta e mobilização dessas comunidades.
Conflitos fundiários e a luta pela Terra
A luta pela demarcação das terras ancestrais é uma das principais bandeiras dos povos indígenas baianos. No entanto, ela está diretamente ligada a conflitos fundiários provocados por fazendeiros, grileiros e lideranças do agronegócio, que frequentemente descumprem decisões judiciais que reconhecem os direitos dos povos originários.
Casos emblemáticos incluem:
Invasões de territórios tradicionais: Povos como os Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe sofrem ameaças constantes de grileiros e empreendimentos agropecuários.
Pataxó Hã-Hã-Hãe: Travam uma longa batalha judicial pela retomada de suas terras, invadidas há décadas por fazendas de cacau e criação de gado.
Tupinambá do sul da Bahia: Enfrentam repressão policial e judicial durante processos de retomada, mesmo com parte de seu território já homologado.
Tupinambá de Olivença: Suas terras são ameaçadas por grandes projetos econômicos, como empresas de eucalipto, mineração e turismo, além da especulação imobiliária no litoral.
Indígenas Paneleiros de Vitória da Conquista: Lutam pelo reconhecimento étnico oficial.
Violência no Extremo Sul: O caso dos Pataxó
Na região do Extremo Sul da Bahia, os Pataxó vêm enfrentando graves episódios de violência. A bicentenária aldeia Barra Velha, mesmo em processo de demarcação e com reconhecimento legal, foi ocupada por grileiros e fazendeiros, gerando intensos conflitos.
Atualmente, um vigoroso e bem-sucedido movimento de retomada está em curso por parte dos Pataxó, enfrentando os ocupantes ilegais. As lideranças indígenas, no entanto, têm sido perseguidas, e casos de assassinato vêm se acumulando.
Entre 2022 e 2023, três jovens pataxós foram assassinados por policiais militares em ações clandestinas, supostamente a serviço de fazendeiros locais.
Há diversas mortes não esclarecidas de indígenas na região, sem que os governos estadual ou federal adotem medidas efetivas de proteção.
Em 2025, a violência ganhou destaque na mídia televisiva nacional, após mais um ataque brutal.
Assassinato de Maria Fátima Muniz de Andrade (Nega Pataxó)
No município de Potiraguá, no território indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, uma indígena da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega Pataxó (majé, ou pajé feminina), foi assassinada a tiros por ruralistas. O ataque feriu também:
O cacique Nailton Muniz Pataxó, baleado no rim e submetido a cirurgia;
Uma mulher indígena, que teve o braço quebrado;
Outras pessoas que foram hospitalizadas.
Dois fazendeiros foram presos em flagrante por porte ilegal de arma, sendo os principais suspeitos do homicídio.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) enviou uma comissão ao local, liderada pela ministra Sônia Guajajara, para apoiar a comunidade e exigir justiça.
Segundo nota oficial do MPI, cerca de 200 ruralistas da região organizaram-se por meio de aplicativos de mensagens para tentar, sem decisão judicial, retomar a posse da Fazenda Inhuma, ocupada por indígenas.
Perseguição a lideranças e criminalização
Lideranças indígenas vêm sendo presas sob acusações questionáveis, em situações amplamente interpretadas como tentativa de criminalizar a luta pela terra.
No Extremo Sul, fazendeiros têm espalhado boatos falsos, como a suposta comercialização de drogas em aldeias, com o objetivo de deslegitimar a resistência indígena.
Ausência de políticas públicas
Muitas comunidades indígenas ainda sofrem com a falta de acesso a serviços básicos, como:
Postos de saúde adequados;
Escolas que respeitem a língua, cultura e cosmologia indígena;
Apoio institucional para desenvolver projetos sustentáveis e preservar saberes tradicionais.
Preservação cultural e ambiental
A sobrevivência física e cultural dos povos indígenas também está ameaçada:
O avanço do agronegócio, a poluição dos rios e o desmatamento afetam diretamente a caça, a pesca e a coleta de alimentos, pilares fundamentais da subsistência tradicional.
Há uma luta constante pela preservação dos rituais, línguas, conhecimentos e territórios sagrados.
Resistência ao Marco Temporal
Os povos indígenas da Bahia têm se engajado ativamente nas mobilizações nacionais contra o marco temporal, tese que condiciona o direito à terra à ocupação anterior a 1988.
Essa proposta, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), representa uma grave ameaça às demarcações em curso e à justiça histórica em relação aos povos expulsos violentamente de seus territórios.
A força do Movimento Indígena na Bahia
Apesar de todos os desafios, o movimento indígena na Bahia está em expansão e fortalecimento. Há conquistas significativas, mas ainda muita luta pela frente.
O estado abriga cerca de 230 mil indígenas, segundo o Censo de 2022.
São mais de 90 territórios indígenas em mais de 50 municípios baianos, com mais de 200 comunidades locais organizadas.
A Bahia é hoje o segundo estado com maior população indígena do país, incluindo comunidades urbanas e indígenas autodeclarados fora dos territórios tradicionais.
Referências:
AGUIAR. Edinalva Padre. (org) Revista Memória Conquistense edição nº 5: “Ymboré, Pataxó, Kamakã: A presença indígena no Planalto da Conquista”, (2000) produzida pelo Museu Regional, a partir dos escritos de Edinalva Padre Aguiar, Antonieta Miguel e Ruy Hermann Medeiros.
ISA-INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL -
https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal
NEWIED. Maximiliano Wied “Viagem ao Brasil” do Príncipe Maximiliano Wied Newied (1815-1817)
OLIVEIRA. Renata Ferreira de (2020), “Índios Paneleiros do Planalto da Conquista: do massacre e o (quase) extermínio aos dias atuais” (2020)
OLIVEIRA. Renata Ferreira de. Batalha: Memória e Identidade Indígena no Planalto da Conquista. Monografia de finalização de curso, UESB, Vitória da Conquista, 2009.
SPIX. Von MARTIUS. Von “Através da Bahia”: Terceira edição, 1938 Companhia Editora Nacional São Paulo - Rio - Recife - Porto Alegre
SOUSA. Maria Aparecida Silva de. “A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da Bahia”, (2001)
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Memória Indígena de Vitória da Conquista e Região é uma plataforma de pesquisa e acervo dedicado à história, cultura e depoimentos dos povos Kamakã-Mongoió, Pataxó e Ymboré.
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