
A Lei 11.645 e o Currículo da Bahia
ARTIGO
Análise da Lei 11.645/2008 e sua aplicação no currículo baiano, que avançou na abordagem da história e cultura indígena na educação básica.
O Documento Curricular Referencial da Bahia (DCRB) atende, de maneira significativa, aos princípios da Lei Federal nº 11.645/2008, que garante a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos povos indígenas e afro-brasileiros na Educação Básica. O currículo baiano amplia e aprofunda os estudos étnico-raciais, indo além de uma visão fundacional do indígena na formação da nação brasileira, ao propor uma abordagem abrangente que contempla diversos aspectos das culturas originárias — como modos de vida, epistemologias, cosmologias, organização social, economia, crenças e as lutas contemporâneas por território e reconhecimento.
Os objetos de conhecimento previstos e a parte diversificada do currículo permitem múltiplas abordagens da temática indígena nas escolas públicas e privadas do estado. Em comparação com o currículo anterior, o atual DCRB representa um avanço expressivo, ao possibilitar que os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), os planos de ensino e as práticas pedagógicas sejam ressignificados com base em uma perspectiva crítica, plural e contextualizada.
O componente curricular de História, em especial, oferece oportunidades para trabalhar com conceitos fundamentais como identidade, interculturalidade, ancestralidade, territorialização, etnogênese, hibridismo, mestiçagem e relações sociais de produção. Esses conceitos compõem o repertório das pedagogias voltadas ao ensino da história indígena em sua complexidade, contrapondo-se aos modelos homogeneizantes e excludentes. Destaca-se, ainda, o aumento significativo da presença da temática indígena em todo o percurso curricular.
Outro marco relevante para a consolidação da Lei nº 11.645/2008 no contexto baiano foi a aprovação da Resolução CEE nº 97, de 27 de maio de 2024, conhecida como resolução antirracista. Essa norma estabelece diretrizes para a reorientação curricular no âmbito do Sistema Estadual de Ensino, em consonância com as Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008. A resolução fortalece a implementação dessas legislações, ao propor que a temática indígena seja abordada não apenas de forma disciplinar, mas também em formatos interdisciplinares, por meio de estudos sistemáticos, projetos e atividades, sessões de debate, experiências cênicas, ensaios temáticos, entre outras possibilidades.
A resolução determina que as escolas reorganizem suas propostas curriculares e pedagógicas com base nos princípios estéticos da sensibilidade, criatividade e diversidade, valorizando manifestações artísticas e culturais, e promovendo a interdisciplinaridade e a contextualização.
Entre os trechos mais alinhados aos objetivos deste site educativo, destacam-se:
“Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Indígena e Quilombola serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Linguagens e das Ciências Humanas; o ensino deve ir além da descrição dos fatos e reforçar, nos discentes, a capacidade de reconhecer e valorizar a história, a cultura, a identidade e as contribuições dos afro-brasileiros, indígenas e quilombolas na construção e no desenvolvimento da nação brasileira.” (BAHIA, 2024, p. 6).
E ainda:
“O foco das abordagens temáticas, subsidiadas por recursos didáticos diversos, será a reparação e reversão das representações denegativas dos povos africanos, indígenas e quilombolas, com reconhecimento dos prejuízos causados aos negros e indígenas, além da desconstrução do mito da democracia racial na sociedade brasileira, à vista das desigualdades seculares criadas e mantidas por uma estrutura social hierárquica.”
(BAHIA, 2024, p. 7)
No que se refere ao Ensino Superior, a resolução também representa um avanço importante, ao prever:
“Art. 8º As instituições de Ensino Superior integrantes do Sistema Estadual de Ensino, que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores, deverão incluir em seus Projetos de Curso componentes curriculares que versem sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, Africana, Indígena e Quilombola, sendo essa inclusão uma exigência para o reconhecimento de cursos de licenciatura.”
Dessa forma, a valorização da história e da cultura dos povos indígenas no currículo escolar favorece a construção de uma consciência nacional plural, multiétnica e intercultural, ao representar de forma mais justa e abrangente os diversos povos que compõem a nação brasileira. Isso permite repensar imagens e discursos superficiais, estereotipados e preconceituosos ainda presentes nas práticas pedagógicas, contribuindo para a superação de equívocos históricos e de visões homogeneizantes sobre os povos originários.
Referências:
AGUIAR. Edinalva Padre. (org) Revista Memória Conquistense edição nº 5: “Ymboré, Pataxó, Kamakã: A presença indígena no Planalto da Conquista”, (2000) produzida pelo Museu Regional, a partir dos escritos de Edinalva Padre Aguiar, Antonieta Miguel e Ruy Hermann Medeiros.
ISA-INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL -
https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal
NEWIED. Maximiliano Wied “Viagem ao Brasil” do Príncipe Maximiliano Wied Newied (1815-1817)
OLIVEIRA. Renata Ferreira de (2020), “Índios Paneleiros do Planalto da Conquista: do massacre e o (quase) extermínio aos dias atuais” (2020)
OLIVEIRA. Renata Ferreira de. Batalha: Memória e Identidade Indígena no Planalto da Conquista. Monografia de finalização de curso, UESB, Vitória da Conquista, 2009.
SPIX. Von MARTIUS. Von “Através da Bahia”: Terceira edição, 1938 Companhia Editora Nacional São Paulo - Rio - Recife - Porto Alegre
SOUSA. Maria Aparecida Silva de. “A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da Bahia”, (2001)
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